30 anos de um dos maiores álbuns do rock australiano e uma apresentação memorável no meio do caminho – ou melhor, da rua

Ao final da década de 1980, o Midnight Oil era grandioso e ainda vivia a ressaca do estrondoso sucesso obtido com ‘Diesel and Dust’ (1987), até hoje o disco essencial do grupo. Talvez a esse ponto qualquer banda sinta a enorme pressão de produzir um sucessor à altura, mas o quinteto aussie não é qualquer banda, e Rob Hirst (bateria, backing vocals), Jim Moginie (guitarra, teclado e backing vocals), Peter Garrett (voz), Martin Rotsey (guitarra) e Bones Hillman (baixo) repetiram o alto nível de suas composições em mais um trabalho espetacular que marcaria suas carreiras novamente.

Blue Sky Mining: O sétimo álbum do Midnight Oil

Midnight Oil - Blue SKy Mining
‘Blue Sky Mining’: Sétimo álbum de estúdio da banda australiana Midnight Oil

‘Blue Sky Mining’ foi lançado no começo de 1990 e traz a banda em seu auge, numa união harmoniosa de todos os elementos já característicos: levadas cativantes, vocais áridos, letras impactantes e produção limpa, impecável. Hoje nossa análise não será faixa a faixa, porém alguns pontos altos não podem passar em branco: os primeiros acordes de ‘Blue Sky Mine’, música que abre o play, um desconcertante solo de gaita tocada pelo próprio frontman e refrão que se tornou clássico absoluto; ‘Forgotten Years’ traz um ar esperançoso e uma homenagem a todos que travaram guerras ao longo de anos difíceis e angustiantes e que não devem jamais ser esquecidos; ‘King of the Mountain’ é deliciosa e tem o espírito que você espera quando pega estrada com seu Opala Diplomata 92’ em um domingo à tarde; por outro lado, ‘River Runs Red’ é cadenciada, tensa, com uma raiva contida enquanto nos passa sua mensagem do quanto o Homem destrói suas terras e envenena os céus e os mares.

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Em se tratando de Midnight Oil, espere letras profundas, sobretudo embasadas na proteção ambiental e incluindo críticas severas se necessário. O próprio título do álbum é uma referência ao desastre ambiental de Wittenoom, cidade australiana hoje abandonada mas que viveu seus anos de glória entre as décadas de 1940 e 1960 com a extração de amianto azul. Este mineral tóxico é notoriamente responsável pelo desenvolvimento de mesoteliomas, cânceres de tecido pulmonar associados à longas exposições ao amianto e que podem levar décadas para se manifestar. Como podem imaginar, os anos de intenso trabalho dizimaram a população local e Wittenoom hoje é uma cidade fantasma, considerada a região mais contaminada do hemisfério sul e lar de (pasmem) três habitantes que se recusam a deixar suas casas de maneira veemente.

Entretanto, outro desastre ambiental está diretamente ligado ao lançamento do álbum e marcou profundamente a carreira da banda.

O desastre com o Exxon Valdez e um protesto histórico

Na noite do dia 23 de março de 1989, perto da meia-noite, o gigante petroleiro Exxon Valdez deixava o Alasca rumo à Califórnia, quando bateu contra o recife de Bligh Island. O rasgo ocasionou um derramamento de cerca de 11 milhões de galões de petróleo bruto, que se espalhou ao longo da costa pelos meses seguintes. Funcionários da Exxon, agentes federais e mais de 11 mil habitantes locais trabalharam intensamente na limpeza, contudo as consequências para a vida marinha foram drásticas: estima-se que 40% das lontras marinhas dali morreram, junto a mais de 250.000 aves, 300 focas e 22 orcas. O desastre impulsionou a criação de leis mais rígidas para navios petroleiros nos Estados Unidos, a Lei de Poluição de Petróleo, que entre outras medidas prevê que todos os navios petroleiros que no país navegassem deveriam contar com duas camadas de casco.

Exxon Valdez
O derramamento de óleo Exxon Valdez / 1989

Mas, além do nome (que coincidência!), o que o Midnight Oil tem a ver com tudo isso? Pois bem, durante a turnê de Blue Sky Mining, a banda tirou um tempo em sua passagem de três noites no Radio City Music Hall em Nova Iorque e, no dia 30 de maio de 1990, realizou um mini-concerto em frente à sede da Exxon na Sexta Avenida, também conhecida como Avenida das Américas, e o pano de fundo dizia: “MIDNIGHT OIL MAKES YOU DANCE, EXXON OIL MAKES US SICK” (O Midnight Oil te faz dançar, o óleo da Exxon nos faz doentes).

Midnight Oil
Midnight Oil makes you dance, Exxon oil makes us sick

No intervalo entre as músicas que os Oil’s tocaram naquela ensolarada quarta-feira, o vocalista Peter Garret relembrava seus espectadores do desastre causado pela companhia, dizendo: “não podemos tratar o mundo como um aterro sanitário, há mais na vida do que apenas lucros e perdas”. A banda abriu seu setlist curto porém impactante com Dreamworld, seguida de Blue Sky Mine, Instant Karma! (cover de John Lennon), River Runs Red (também do então recém-lançado álbum e cujo refrão daria nome ao subsequente documentário que eles viriam a lançar), Progress (de seu EP Species Deceases) e Sometimes, que junto com a primeira do set representaram o Diesel and Dust no histórico dia.

Como podemos imaginar, nada disso seria possível sem muita insistência por parte dos Oil’s e da Sony, gravadora representante da banda. Segundo Jim Moginie, o dia foi completamente caótico desde o princípio, mesmo tendo sido minuciosamente planejado. A polícia nova-iorquina tentava impedir a apresentação por atrapalhar o tráfego, mas a banda superou as adversidades e conseguiu até mesmo ser capa dos jornais ao redor do mundo no dia seguinte. O evento foi filmado e incluído no documentário Black Rain Falls, lançado pelo quinteto naquele mesmo ano.

Midnight Oil - Black Rain Falls
Documentário ‘Black Rain Falls’

O engajamento absoluto rende à banda reputação e trabalho até os dias atuais, e o recém-lançado The Makarrata Project (2020) é prova disso. Com várias participações especiais, a obra mantém os Oil’s vivos em nossas mentes e corações em tempos tão difíceis e incertos. Garanto que em uma coisa todos nós concordamos: vida longa ao gigante careca e seus amigos!