Tudo bem se você nunca foi apresentado a essa magnífica banda chamada Stone the Crows, tudo tem sua primeira vez. O impossível é permanecer indiferente depois de conhecê-la.
Eis aqui uma banda escocesa singular, que apesar de trazer elementos já conhecidos no mundo da música, conseguiu chamar atenção de ninguém menos que Peter Grant, o eterno empresário e “quinto membro” do Led Zeppelin. Esse, por si só, já seria um grande feito, mas havia energia para mais, e Tennage Licks vem para comprovar essa força com toques suburbanos, oriundos de tempos difíceis vividos pela população ao longo da Europa naquele período, especialmente as classes operárias.
As mesmas características áridas do Rock à época podem ser sentidas também em bandas clássicas como Humble Pie, Ten Years After e Curved Air, dentre outras até mais pesadas como o próprio Black Sabbath. O Stone The Crows tem tudo a ver com sua época, suas origens e respectiva sonoridade. Mesmo que seus dois primeiros discos tenham se atido mais a suas raízes no Blues, é em Teenage Licks que a banda ousa ir além.
O terceiro play da banda é claramente mais polido e “redondo” que seus antecessores, com a cozinha soando ainda mais adaptada a estonteante e poderosa voz de Maggie Bell, muitas vezes comparada a Janis Joplin. O grande alcance vocal de Maggie, unido a maestria com que interpretava as canções, rendeu um reconhecimento que foi além dos anos de Stone The Crows, tendo sido a única mulher a fazer parte do famoso selo Swan Song Records, com apoio do próprio Peter Grant.
Falemos agora do que realmente importa. O álbum se inicia com um riff de guitarra poderoso em Big Jim Salter, comandado por Leslie Harvey (também conhecido apenas por Les Harvey e irmão do grande Alex Harvey e sua Sensational Band), logo seguido pelo resto da banda ao longo de uma introdução empolgante que prepara o terreno para Maggie cantar seus primeiros versos. Logo de cara uma canção mais pesada que o habitual, com a bateria de Colin Allern mostrando precisão, conduzindo o ritmo de maneira segura e fornecendo ótima base para os solos.
Faces é a segunda canção do álbum, cadenciada, linda e magistral. Aqui brilham os trabalhos de órgão e piano de Ronnie Leahy, que acabara de entrar para a banda substituindo John McGinnis e teria ainda muita estrada a percorrer ao lado nomes como Jack Bruce e Nazareth. O refrão é tomado por mais uma bela interpretação de Maggie Bell, e o solo bem encaixado de Les Harvey leva aos poucos a música a um fade out.
Mr. Wizard chega sorrateira, sendo construída aos poucos, com o baixo de Steve Thompson (outro novato na banda, com o árduo trabalho de substituir ninguém menos que James Dewar – o baixista, não o físico!) ajudando a conduzir o riff principal da música. Metais trazem um peso maior e um cowbell passa a ditar o tempo, e a partir do último refrão Les Harvey e Ronnie Leahy dividem espaço entre improvisações até o fim.
Mr. Wizard se mostra uma música bastante diferenciada e um ponto forte no álbum, com uma “pegada” até então não vista no repertório da banda e características que lembram, de certa forma, a música Welcome To My Nightmare do mestre Alice Cooper (que seria lançada apenas quatro anos depois), na forma como é construída sua tensão e no uso dos metais para acentuar o peso, principalmente no último refrão.
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Don’t Think Twice traz a sutileza do blues novamente ao álbum, falando sobre amor e confirmando tudo até aqui já dito sobre os vocais de Bell. Uma bela canção, apesar de um pouco contida, estando no meio duas das canções mais marcantes do play.
Isso porquê Keep On Rollin’ traz novamente energia aos ouvidos. Poderia facilmente trocar de lugar com Big Jim Salter e abrir o álbum, muito por suas claras semelhanças na estrutura da música, bem como linhas de voz. Mais um notável trabalho de Leahy em uma excelente composição.
Uma passagem de poucos segundos em Aileen Mochree, cantada a capella, e One Five Eight entra em cena com certo suspense, mas seus 6 minutos (a música mais longa do álbum) são suficientes para um bom desenvolvimento. Traz uma estrutura com maior grau de complexidade, em compassos alternando entre 4/4 e 7/4, um tempero diferente e que caracteriza uma das melhores músicas do álbum.
Assim caminhamos para o fim, primeiramente com I May Be Right I May Be Wrong, um blues bastante característico e com bom refrão (que por algum motivo me lembra o eterno Joe Cocker) e depois com a lenta Seven Lakes, que leva o play calmamente ao seu término.
Pois bem, esse é Teenage Licks, coeso e cativante. Confesso que o escolhi por dois motivos: sua singularidade musical na história da banda e por ter sido o último de Les Harvey, que morreu eletrocutado no palco do The Swansea Top Rank, no País de Gales, cerca de 6 meses após o lançamento do álbum.
Muitos fatores permeiam o sucesso, e por vezes ele simplesmente não vem. O Stone The Crows vinha crescendo e conquistando espaço, mas sem Les Harvey o clima mudou e nada mais caminhou como deveria. Ontinuous Performance ainda veio em sequência, com o jovem e excelente Jimmy McCulloch (que posteriormente integraria o Wings de McCartney), mas a história da banda acaba por aí. Por fim, essa é a lição: a arte, diferente de nós, permanece e conta sua história, cabe a nós preservá-la.
Profissional da área da saúde e amante da música desde sempre. É baterista nas horas vagas e tem uma paixão especial pelo rock progressivo.