A fúria avassaladora do Rage Against The Machine (RATM) ecoou pelos anos 90, mesclando rock e hip-hop em um manifesto sonoro contra as injustiças sociais. Mais do que música, o grupo californiano ergueu-se como um símbolo da revolução marxista, inspirando gerações com sua mensagem contundente.

Um Som Revolucionário

Enquanto bandas como Nirvana, Guns N’ Roses e Pearl Jam dominavam a cena, o RATM se destacava por sua sonoridade única. Zack de la Rocha, vocalista de voz poderosa, cuspia letras carregadas de raiva e inconformismo, enquanto Tom Morello desferia riffs de guitarra incendiários.

Filosofia Marxista: O Combustível da Fúria

Mas o que realmente incendiava o RATM era sua filosofia marxista. As letras de suas músicas denunciavam a opressão do capitalismo, a hipocrisia do governo americano e a exploração das classes menos favorecidas. Mais do que artistas, os membros da banda eram ativistas engajados, participando frequentemente de protestos e movimentos sociais.

Raízes Vermelhas:

As raízes de Zack de la Rocha na luta por justiça social eram profundas. Seu avô, Isaac de la Rocha Beltrón, foi um revolucionário que lutou na Guerra Civil Mexicana. Essa herança inspirou Zack a usar a música como ferramenta para o ativismo.

“Estou interessado em divulgar essas ideias através da arte, porque a música tem o poder de cruzar fronteiras, romper cercas militares e estabelecer diálogos reais.”

Zack de la Rocha

O guitarrista da banda, Tom Morello, é formado em Ciência Política por Harvard e um dos grandes responsáveis por trás da imagem revolucionária do RATM. Suas letras politizadas e sua presença de palco eletrizante, combinadas com o som inovador de sua guitarra, o tornaram um ícone da resistência contra o status quo.

Os Hinos da Revolta

A discografia do RATM, composta por cinco álbuns de estúdio, é um retrato visceral da luta contra a opressão. Cada canção é uma granada musical lançada contra o sistema, carregada de letras contundentes e riffs de guitarra incendiários.

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“Killing in the Name”

Lançada no álbum de estreia do Rage Against The Machine (1992), é um ataque direto ao racismo sistêmico e à brutalidade policial.

O refrão repetitivo “Some of those that work forces, are the same that burn crosses” (Alguns dos que estão no poder, são os mesmos que queimam cruzes) expõe a hipocrisia do sistema. A clara referência à Ku Klux Klan, organização racista norte-americana, sugere que membros da polícia podem compartilhar da mesma ideologia racista. A frase “For wearing the badge, they’re the chosen whites” (Por usarem o distintivo, eles são os brancos escolhidos) critica a impunidade e o tratamento privilegiado que pessoas brancas recebem dentro do sistema de justiça, muitas vezes em detrimento de minorias étnicas.

O final da música é marcado por uma repetição enfática e desafiadora da frase “Fuck you, I won’t do what you tell me” (VSF, não vou fazer o que você manda), que se tornou um grito de guerra contra a autoridade e o conformismo. A banda convida o ouvinte a questionar as ordens impostas e a lutar contra a opressão. A agressividade da música, combinada com a entrega visceral do vocalista Zack de la Rocha, captura a urgência e a raiva sentida por aqueles que se opõem à injustiça e ao abuso de poder.

“Bulls on Parade”

Lançada em 1996 no álbum “Evil Empire”, “Bulls on Parade” do Rage Against The Machine é uma canção carregada de metáforas e imagens que denunciam a indústria bélica e a manipulação das massas.

A frase “rally ‘round the family with a pocket full of shells” (reunir-se em torno da família com um bolso cheio de cartuchos) é uma crítica contundente à falsa ideia de unidade familiar. A imagem evocada sugere uma sociedade onde a segurança e a coesão se baseiam na capacidade de se armar e se defender, em vez de valores como o amor, a compaixão e a comunhão. Essa inversão de valores expõe a fragilidade dos laços familiares em um mundo dominado pelo medo e pela violência.

A linha “Weapons, not food, not homes, not shoes” (armas, não comida, não casas, não sapatos) critica a priorização de investimentos em armamentos em detrimento de necessidades básicas como alimentação, moradia e educação. Essa inversão de prioridades revela a hipocrisia de um sistema que destina recursos para a guerra e a destruição enquanto ignora as necessidades essenciais da população.

O título “Bulls on Parade” (touros em desfile) pode ser interpretado como uma metáfora para os poderosos que desfilam sua riqueza e poder, cegos pela ganância e pela ambição. Como touros em um desfile, eles marcham sobre a sociedade, subjugando e oprimindo os mais fracos.

“Testify”

Em meio à manipulação da mídia e a apatia da sociedade, a música “Testify” do Rage Against The Machine ecoa como um grito de protesto contra as injustiças que assolam o mundo. A letra, carregada de imagens fortes e linguagem direta, convida à reflexão e à ação, despertando a consciência adormecida por um sistema que silencia e oprime.

Nas primeiras frases, somos confrontados com a realidade devastadora da mídia, que, como um vício, nos aprisiona em um vazio existencial. As notícias de guerra, suavizadas e repetitivas como um mantra, servem para adormecer nossa percepção crítica, transformando a barbárie em mero espetáculo. A menção a “Baghdad is burning” ecoa os conflitos do Oriente Médio, distorcidos e banalizados pela narrativa dominante.

O refrão “Now testify” surge como um chamado urgente à ação, um convite para romper o silêncio e reconhecer as atrocidades que se desenrolam “bem ali fora”, à nossa porta.

A repetição insistente da frase “Quem controla o passado controla o futuro / Quem controla o presente controla o passado”, inspirada na obra “1984” de George Orwell, reforça a importância da luta pela verdade e da memória. A informação, manipulada e distorcida, torna-se ferramenta de controle e dominação, moldando a percepção da realidade e subjugando os indivíduos.

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“Testify” é mais do que uma música; é um manifesto, um grito de inconformismo contra a apatia e a manipulação. É um lembrete de que a mudança só é possível quando nos recusamos a ser meros espectadores e nos erguemos para questionar, resistir e lutar por um mundo onde a justiça e a verdade prevaleçam.

“Sleep Now in the Fire”

Através de uma linguagem direta e agressiva, a banda critica a exploração e as injustiças perpetradas por aqueles no poder. A música não se limita a palavras, mas sim utiliza a força da sonoridade para amplificar sua mensagem e despertar a consciência do público.

A referência a figuras históricas e eventos, como “The Nina The Pinta The Santa Maria”, as embarcações de Cristóvão Colombo, e “The priests of Hiroshima”, remete a momentos de conquista e destruição, simbolizando a violência e a opressão que acompanham o imperialismo e a guerra. A banda tece uma narrativa histórica que conecta os crimes do passado com as injustiças do presente, demonstrando como a ganância e a busca por poder sempre tiveram consequências devastadoras.

O refrão “Sleep now in the fire” pode ser interpretado como uma ironia amarga, sugerindo que aqueles que se beneficiam da exploração e da opressão acabarão consumidos pelo próprio fogo que usam para proteger seus interesses. A banda utiliza essa metáfora para alertar sobre os perigos da ganância desmedida e da busca incessante por poder, que podem levar à autodestruição e à ruína.

Outros Hinos:

A discografia do Rage Against The Machine é rica em outras músicas que exploram temas marxistas, como “Know Your Enemy”, “Freedom”, “Guerrilla Radio” e “Wake Up”. Cada canção é uma peça fundamental do mosaico musical e ideológico da banda, reforçando sua posição como porta-voz da luta contra a opressão.

O Rage Against The Machine conseguiu transcender a música e acabou se tornando um símbolo de um ideal para aqueles que seguem a filosofia que a banda destaca a cada trabalho.

Fama e Fortuna: A Contradição Capitalista do RATM

Enquanto pregavam a luta contra a exploração e a desigualdade social, o RATM alcançou um enorme sucesso comercial, vendendo milhões de discos e se apresentando em grandes arenas e festivais. A riqueza gerada por essa fama contrastava com a mensagem anticapitalista da banda, levando alguns a questionarem a autenticidade de seus princípios.

Acusações de Hipocrisia: Entre o Discurso e a Realidade

A banda é constantemente acusada de hipocrisia por:

  • Cobrar ingressos caros para seus shows: Críticos argumentavam que os preços dos ingressos tornavam seus shows inacessíveis para a classe trabalhadora que a banda dizia defender;
  • Assinar com uma grande gravadora: A Epic Records, gravadora do RATM, é uma subsidiária da Sony Music Entertainment, um dos maiores conglomerados de mídia do mundo. Essa parceria foi vista como uma contradição com a postura anticapitalista da banda;
  • Fazer merchandising: Camisetas, bonés e outros produtos da banda eram vendidos a preços consideráveis, gerando lucro para a indústria capitalista que a banda tanto criticava;

Em resposta às críticas, a banda argumenta que:

  • O sucesso comercial não significa que abandonaram seus princípios: A banda afirma que usa a plataforma conquistada com sua fama para amplificar sua mensagem anticapitalista para um público ainda maior;
  • Cobrar ingressos é necessário para financiar suas atividades: Segundo o RATM, os preços dos ingressos cobrem os custos de produção dos shows e permitem que a banda doe parte da renda para causas sociais;
  • A Epic Records oferece a eles a liberdade artística que precisam: A banda afirma que a gravadora não interfere em seu conteúdo musical e que eles têm total controle sobre sua mensagem;
  • O merchandising é uma forma de os fãs demonstrarem seu apoio à banda: O RATM argumenta que os produtos não são luxos inacessíveis e que a maioria dos lucros é reinvestida na banda e em suas causas.

Outras bandas, outras filosofias

Se você gosta de ler sobre como músicas são inspiradas por filosofias, ideais e até mesmo literaturas, o São Gallö tem disponível sobre como Ayn Rand influenciou canções do Rush e também as músicas que foram inspiradas por Orwell.

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Fontes: letras.mus.br/rage-against-the-machine