Foto usada na capa do disco de estreia da banda americana mostra monge que ateou fogo em seu próprio corpo
O que ainda me faz gostar e apreciar a mídia física, é o ritual completo de uma bela obra de arte, em que você desenvolve e sente seus cinco sentidos funcionando simultaneamente. Quando você compra (ou comprava) um vinil ou cd, por exemplo, você reserva alguns minutos da sua vida para se dedicar 100% ao que está em suas mãos, e enquanto a música está rolando, você folheia o encarte e passa minutos analisando a capa, reparando em cada pixel da arte que ali foi exposta e que espera que você extraia o sentimento que está ali exposto.
Com o primeiro álbum do Rage Against (1992), a sensação é algo completamente único e que poucas bandas conseguem ou conseguiram me despertar.
Essa não é uma análise do trabalho dos caras, mas um álbum que abre com “Bombtrack” seguido por “Killing in the Name” e encerra com “Freedom”, passando por “Take the Power Back”, “Bullet in the Head”, “Know Your Enemy”, “Wake up”, ” “Township Rebellion” entre outras, não merece uma capa ordinária, pelo contrário, espera-se um retrato revolucionário, de resistência, uma atitude altruísta em que você se coloca na linha de frente para mudar o status quo da sociedade atual.
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E a imagem de autoimolação do monge vietnamita Thích Quảng Đức não poderia ser mais emblemática para apresentar o Rage Against The Machine para o mundo da música.
Contexto Histórico
Estamos em Saigon, Vietnam do Sul, ano de 1963. O país vive um momento turbulento e em especial no tema religioso. Sua população é composta majoritariamente de budistas (entre 70 e 90%) e seu presidente, Diêm, ignora seu povo e coloca o país como seguidor da Igreja Católica.
A Igreja Católica era a maior dona de terra do país e o Budismo tinha status de religião “privada”, o que forçava o pedido de permissões para que as suas atividades fossem realizadas em público.
O Protesto
Como forma de chamar a atenção do planeta para a crise local, os monges organizaram um protesto e avisaram que aconteceria algo grandioso no dia seguinte.
Cerca de 350 monges estavam na manifestação que traziam mensagens denunciando o governo de Diệm.
Đức chega ao local de carro, acompanhado de outros dois monges, um desembarcou com uma almofada nas mãos e a colocou no meio de um cruzamento, e outro que tirou um galão de gasolina do porta-malas do veículo.
O monge Đức sentou calmamente sobre a almofada na posição de lótus — usada para momentos de meditação. Em seguida, um dos monges despejou o conteúdo sobre a cabeça do monge em meditação que, nesse momento apenas se pôs a recitar uma prece. Enquanto suas palavras eram iniciadas, Đức então riscou um palito de fósforos e começou a queimar. Suas palavras eram ouvidas enquanto o fogo se alastrava por sua roupa juntamente a seu corpo.
“Antes de fechar meus olhos e me dirigir à visão de Buddha, eu peço respeitosamente para que o Presidente Ngô Đình Diệm tenha compaixão em relação às pessoas da nação e melhore a igualdade religiosa para manter a força da nação eternamente. Eu peço para que os veneráveis, reverendos, membros da sangha e os Budistas se organizem de forma solidária para fazer sacrifícios como forma de proteger o Budismo.“
Thích Quảng Đức – Últimas palavras citadas enquanto seu corpo ardia em chamas.
Budistas se posicionaram em um círculo em volta do monge e a maioria deles saudaram Đức.
De acordo com relatos, Đức não moveu um músculo sequer nem emitiu qualquer som. Ele permaneceu imóvel enquanto o fogo consumia seus robes de monge e seu corpo, e só saiu da posição de lótus depois de morrer e seu cadáver tombar para trás.
Todo o ato durou cerca de 10 minutos e, após as chamas se apagarem, um grupo de monges se aproximou de seu corpo e o cobriu com robes amarelos, recolheu o cadáver e o levou a um templo budista no centro de Saigon. Đức foi — novamente — cremado durante seu funeral e seu ato motivou uma série de autoimolações no Vietnam.
Curiosamente, o coração do budista teria permanecido intacto apesar das chamas e se transformou em uma relíquia que hoje se encontra guardada no Templo Xa Loi. Por fim, os atos de autoimolação que seguiram o de Đức e a turbulência religiosa que se instalou no Vietnam levaram a um golpe de estado que acabou com a derrubada e morte de Diêm em novembro do mesmo ano, 5 meses após o ocorrido.
Ouça o álbum:
Fonte: Mega Curioso
Formado em Publicidade e apaixonado pelo universo da música e das bebidas, Jefferson criou o São Gallö como um hobby, onde compartilha curiosidades e histórias fascinantes desses dois mundos.